"Vistos, etc. Trata-se de ação condenatória ajuizada por
GEISY VILA NOVA ARRUDA contra ACADEMIA PAULISTA ANCHIETA S/C LTDA na qual alega
a autora, em síntese: durante o ano de 2009 estava regularmente matriculada na
UNIBAN, no 1º ano, período noturno do curso de Turismo, ministrado no campus
ABC, em São Bernardo
do Campo; no dia 22 de outubro de 2009, por volta das 19h5min, chegou na
instituição de ensino trajando um vestido curto, tipo “balone”, de mangas e sem
decotes; subiu a rampa em direção à sala de aula, situada no 3º pavimento; no
percurso ouviu alguns gracejos, o que levou a requerente a terminar o trajeto
por meio da escadaria; após o início das aulas foi ao toalete acompanhada de
uma colega de classe de nome Paola; como as salas de aula do 3º pavimento têm
paredes de vidro, foi avistada por colegas de outras turmas; quando estava no
interior do sanitário percebeu um coro de alunos pedindo sua saída, terminando
a requerente por deixar o recinto escoltada pelas colegas de classe e pelo
Professor Rubens Romero; no percurso do toalete à sala de aula ouviu
impropérios dos alunos que se aglomeravam; alguns alunos deitavam-se no chão na
tentativa de fotografar as partes íntimas da requerente; após retornar do
toalete a situação aparentemente tinha se acalmado até que, no intervalo, por
volta de setecentos alunos se aglomeraram na frente da sala de aula, pedindo
sua saída; somente três seguranças compareceram no local; em vez de tentar
dispersar a turba, os seguranças passaram a admoestar a autora, situação que provocou
a reação dos colegas de sala contra os seguranças, causando entrevero no
interior da sala de aula; o Coordenador do curso de Turismo, Professor Fábio
Marcos Fonseca Boiani, aconselhou a autora a ir para casa, sem, contudo,
oferecer-lhe mínimas garantias; os alunos passaram a gritar, esmurrar e chutar
a porta de entrada da sala onde se encontrava a requerente, chegando a arrancar
a maçaneta da porta, só não conseguindo invadir o recinto em razão do esforço
de suas colegas; os alunos do lado de fora, ensandecidos, pediam aos berros que
o professor lhes entregasse a requerente; perante tal quadro, Talita, colega da
requerente, tomou a iniciativa de telefonar para a Polícia Militar, pedindo
socorro; os policiais militares foram conduzidos até o local por outra colega
da requerente, uma vez que o corpo de segurança da ré manteve-se omisso; foi
retirada do local pela polícia militar, que a protegeu da fúria de seus
colegas, os quais a hostilizaram, ofendendo-a moralmente com palavras de baixo
calão, filmando com celulares a sua humilhação, obrigando os milicianos a abrir
caminho com spray de pimenta, tal a impetuosidade dos agressores. Prossegue a
autora aduzindo que aos 04 de novembro de 2009 prestou depoimento em
sindicância aberta pela instituição de ensino, perante Comissão presidida pela
assessoria jurídica da Uniban; na ocasião foi acordado o retorno da aluna às
aulas, com a promessa de garantia de um mínimo de segurança. Todavia, segundo
narrativa da inicial, viu-se a autora surpreendida pela divulgação publicitária
(matéria paga), em dois grandes jornais paulistas (O Estado de S. Paulo e Folha
de São Paulo) e também em horário nobre da TV Record (em rede nacional), de sua
expulsão, sob alegação, entre outras, de desrespeito à moralidade e à dignidade
acadêmica. Alega a requerente que houve falha na prestação de serviço, que
culminou com a violação de direitos personalíssimos da consumidora, que sofreu,
além de agressões verbais de toda sorte, sérios riscos à sua incolumidade
física. Após transcrever trechos de artigos jornalísticos e invocar os artigos
8º e 14º do Código de Defesa do Consumidor, artigo 5º, incisos V e X da
Constituição Federal e artigos 186, 932 e 933 do Código Civil, pugna a
requerente pela condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais,
em valor não inferior a um milhão de reais. Juntou documentos de fls.61/172.
ACADEMIA PAULISTA ANCHIETA S/C LTDA (UNIBAN) apresentou contestação a
fls.215/265 alegando que não causou qualquer dano à autora, esta, sim, causou
danos à ré. Prossegue dizendo presumir que a autora teria arquitetado e
executado um plano para adquirir notoriedade e conseguir as vantagens dela
decorrentes, citando, por exemplo, as exibições da requerente em programas de
televisão e desfiles em escolas de samba. Tece considerações sobre a
personalidade exibicionista da requerente, a qual teria provocado
intencionalmente seus colegas, porquanto ao invés de ir ao banheiro, foi até a
sala do curso de Biologia, durante o horário de aula, para contentar um aluno
que queria vê-la. Acrescenta que até um determinado momento, apesar da
provocação e do exibicionismo da autora, a reações eram mínimas, prosseguindo a
aula ministrada pelo Professor Rubens Soares; somente mais tarde, mediante o
ajuntamento de alunos fora da sala de aula da autora, compareceram ao local o
coordenador Fábio Boiani e mais três seguranças; o coordenador ofertou três
seguranças para escoltar a requerente até a saída da universidade, o que foi
recusado pela aluna. Em seguida, prossegue a ré, houve um tumulto dentro da
sala de aula, provocado por Talita (colega da autora) e seu irmão, que teria
investido contra um dos seguranças, tentando agredi-lo, situação que aumentou a
agitação dos alunos que se encontravam do lado de fora; quando chegou a Polícia
Militar, cuja presença era desnecessária, segundo a ótica da ré, a reação foi
mais ruidosa, ainda, principalmente, pela Policial Militar feminina ter
utilizado spray de pimenta; somente a partir desses fatos é que os alunos
começaram a gritar palavras de baixo calão, voltadas contra os agressores.
Prossegue a requerida reiterando a considerações sobre a personalidade da
autora, a qual deveria ter previsto que seu comportamento iria causar as
reações dos alunos. Diz que a ré não agiu com culpa e que não há falar-se em
responsabilidade objetiva, nem de aplicação do Código de Defesa do Consumidor;
quem agiu culposamente e, até presumidamente com dolo, foi a autora, afirmando,
todavia, que talvez a única culpa da instituição de ensino tenha sido a de
permitir que acontecessem os fatos acima narrados, os quais, uma vez expostos
na mídia, somente trouxeram benefícios à autora. Afirma que a requerente não
sofreu danos psíquicos e que, muito ao contrário, só teve alegrias, satisfação
de seus desejos e ambição de transformar-se em celebridade, transcrevendo
doutrina sobre dano moral e discorrendo sobre os elementos necessários à
configuração da responsabilidade civil; alega que a culpa exclusiva da vítima
exclui o nexo de causalidade. Arrola jurisprudência sobre dano moral e ataca o
valor da indenização pedida pela autora, por excessivo, pugnando pela total
improcedência da ação. Juntou documentos de fls.266/314. Manifestações das
partes e juntada de documentos a fls.324/369. Réplica a fls.391/399. Designada
audiência de instrução (fls.364, 380), foram colhidos os depoimentos da autora
(fls.470/496) e de nove testemunhas (fls.497/689), concedendo-se às partes
oportunidade para apresentação de alegações finais (fls.426, 694/710, 712/790).
É O RELATÓRIO. DECIDO. Apesar das longas razões expostas pelas peças que
protagonizam o processo a questão, em última análise, resume-se a descobrir, a
partir do conjunto probatório, a existência dos elementos necessários à
configuração da responsabilidade civil da ré. De início, cumpre ressaltar que,
ao contrário do que entende a ré, aplica-se ao caso sub judice a
responsabilidade objetiva. E isto porque os fatos encontram-se sob a égide da
legislação especial, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor. Os artigos 2º e
3º da Lei 8.078/90 definem os conceitos de consumidor e fornecedor os quais, em
seu largo espectro, abrangem, sem dúvida, os alunos e os respectivos
estabelecimentos de ensino. E a responsabilidade do fornecedor de serviço é
descrita no artigo 14 da Lei 8.078/90: “O fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Não fosse
a clareza dos dispositivos legais, SÍLVIO DE SALVO VENOSA, ao discorrer sobre a
responsabilidade dos estabelecimentos de educação, ensina: “A responsabilidade
dos estabelecimentos de educação está fixada de forma não muito clara no mesmo
dispositivo que cuida dos donos de hotéis (art. 932, IV, do Código Civil).
“omissis.......Enquanto o aluno se encontra no estabelecimento de ensino e sob
sua responsabilidade, este é responsável não somente pela incolumidade física
do educando, como, também, pelos atos ilícitos praticados por este a terceiros.
Há um dever de vigilância e incolumidade inerente ao estabelecimento de
educação que, modernamente, decorre da responsabilidade objetiva do Código de
Defesa do Consumidor. O aluno é consumidor do fornecedor de serviços, que é a
instituição educacional. Se o agente sofre prejuízo físico ou moral decorrente
da atividade no interior do estabelecimento ou em razão dele, este é
responsável” (Direito Civil - Responsabilidade Civil - Vol.IV, 3ª ed. Atlas -
2003, pg.71). No mesmo sentido CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY, comentando o inciso
IV do artigo 932 do Código Civil: “Já no que concerne aos educadores, e também
aqui ressalvada a incidência da legislação do consumidor, há que ver que a
respectiva responsabilidade deve restringir-se ao período em que o educando
está sob o poder de direção do estabelecimento, ainda que em atividade de
recreação. Omissis....Se o educando é maior, assim particularmente nos casos de
instituição universitária, tem-se entendido inexistir dever de vigilância e,
portanto, responsabilidade sem culpa, o que, entende-se, deve ser
recompreendido à luz da Lei nº 8078/90, que estabelece, sem essa distinção, a
responsabilidade sem culpa do fornecedor de serviço.”(Autor cit., Código Civil
Comentado - Coordenador Ministro CEZAR PELUSO, 4ª Edição, 2010, Editora Manole,
pg.930, grifei). Os elementos de convicção coligidos revelam que a autora, no
dia 22 de outubro de 2009, chegou aproximadamente às 19h50min para assistir
aulas do curso de turismo, trajando vestido cor de rosa curto, de mangas e sem
decotes. Logo após passar as catracas ouviu alguns assovios e gracejos. A aluna
subiu uma rampa em direção à sua sala, localizada no 3º pavimento, quando, no
2º piso, percebendo que os gracejos estavam um tanto exagerados, resolveu subir
ao último pavimento pelas escadas, para chegar à sala de aula (fls.471). A aula
da autora seria ministrada pelo Professor Rubens Fernando Romero Soares
(fls.547/585), que se deparou com a aluna “encostada num beiral, numa mureta e
olhando para baixo e para outros lugares, estava em frente à porta da sala,
fora da sala encostada num mural, num muro” (fls.548). O Professor Rubens
conduziu a autora para o interior da sala de aula: “pedi duas vezes e aí,
enfim, como não me foi atendido, aí eu de longe com a ponta dos dedos, me
lembro claramente, encostei no cotovelo e bem de longe a conduzi para dentro da
sala...refleti um pouquinho e pedi para que ela por favor não saísse mais da
sala” (fls.549). O professor pediu à aluna que permanecesse no interior da sala
de aula “porque haviam alunos que assobiavam, gritando no andar de baixo,
olhando para ela, enfim...eu fiquei preocupado, pedi para que ela fosse
assistir a aula, que não saísse mais para preservá-la” (fls.550). Ocorre que a
aluna, após o início da aula, retirou-se da sala para ir ao toalete,
acompanhada pela testemunha Paola Cristina Fernandes (fls.497/530). No caminho
a requerente e Paola foram abordadas pela testemunha Jaqueline Lúcio Lopes
(fls.648/660), dizendo que alguns colegas do curso de biologia gostariam de
conhecer a autora: “cheguei atrasada nesse dia, a hora que eu cheguei na
faculdade, o pessoal da sala ligou e falou que tinha uma moça muito bonita, e
com uma roupa curta....Aí neste momento, a curiosidade mata, a gente foi para
ver a moça bonita....no que a gente deu a volta para ir até a sala dela, ela
não estava na sala, aí a gente foi para o banheiro que fica no meio do bloco,
foi quando a gente viu que ela estava lá....No que ela saiu do banheiro, aí eu
falei: “Não adianta vocês olharem, tem que conhecer a moça, quem sabe a moça
não se interessa por vocês”, aí eu fui com minha amiga atrás dela e perguntei
se ela poderia conhecer os meus amigos...ela respondeu que sim...ela foi comigo
até a porta da sala que eu estudo” (Jaqueline Lúcio Lopes, fls.649/650). As
testemunhas Pedro Túlio de Rezende Lara (fls.661/677) e Michel Jorge de
Vasconcelos Santos (fls.678/689) receberam os cumprimentos da autora, que
entrou na sala do curso de biologia e se despediu dos colegas curiosos com os
dizeres: “Tchau, estudem rapazes” (fls.651). A requerente prosseguiu o seu
trajeto até o banheiro, o que chamou a atenção de outros alunos que estavam em
aula, pois as salas têm “paredes de vidro”, como se fosse um “aquário”: “Porque
como a sala tem um vidro, conforme ela foi passando as pessoas foram vendo que
ela estava passando de novo, de novo assim passando pelas salas e começaram a
sair de dentro das salas para ver ela de novo, foi o que começou a bagunça, né”
(Paola Cristina Fernandes, fls.501). Após a requerente entrar no banheiro,
formou-se uma aglomeração de alunos na porta do toalete, gerando um primeiro
episódio de tumulto. A testemunha Paola Cristina Fernandes (fls.497/530) foi
até o banheiro verificar o que ocorria: “...falei para a Geisy: “vamos sair,
tem muita gente, mas vamos dar um jeito de sair”. Ela falou que não queria
porque estava com medo e foi quando uma outra aluna da nossa sala saiu e viu
que o professor Rubens estava na porta do banheiro” (fls.504). A situação não
passou despercebida pelo Professor Rubens Fernando Romero Soares (fls.547/585):
“Eram três alunas da minha turma, no meu horário de aula no banheiro e havia
muita gente, aí eu fiquei preocupado, pedi para que as pessoas permanecessem,
os demais alunos não saíssem da sala, foi muito rápido, olhei no corredor para
ver se achava segurança mas eu não conseguia ver, porque fiquei nervoso, aí
corri para o banheiro” (fls.551). A requerente teve que deixar o toalete, em
direção à sala de aula, “escoltada” pelas colegas de turma (fls.505) e pelo
Professor Rubens:“...o professor viu que formou aquele tumulto na porta do
banheiro. Ele, por medo de acontecer algo com ela ou com as outras
meninas.......ficou com medo, foi lá e chamou ela, não chegou a entrar porque é
banheiro feminino. E chamou, pediu para ela sair, no que ele chamou ela foi
junto com a amiga e saiu, no que ela saiu a multidão abriu e ela passou”. Os
alunos diziam em coro “Gostosa”. “Sai gostosa”, que a maioria eram rapazes que
estavam lá na porta né” (Jaqueline Lúcio Lopes – fls.652). Os seguranças
somente apareceram para dispersar os alunos depois que a autora, o Professor
Rubens e Paola já se encontravam dentro da sala (fls.505/506). O coordenador
Fábio Marcos Fonseca Boiani (fls.609/629) foi informado por um colega “que tinha
uma aluna em trajes curtos, que tinha causado aquele alvoroço....eu vi nesse
momento, um monte de alunos fora da sala e o professor na porta do banheiro
feminino e a aluna Geisy saindo e o professor na frente, se dirigindo até a
sala de aula...eu pedi para um outro funcionário da Uniban...chamar os
seguranças, disse que já tinha chamado, fiquei na porta da sala esperando os
seguranças chegarem...quando os seguranças chegaram eu entrei na sala e me
dirigi até a aluna né...os seguranças estavam lá fora e estavam dispersando os
alunos”. O Coordenador forneceu um jaleco para a autora vestir e combinou que
ao término das aulas “os seguranças iriam acompanhá-la até o carro, para sair
em segurança” (fls.614). Ocorre que durante o intervalo das aulas um número muito
grande de alunos tornou a reunir-se na entrada da sala de aula da autora e nos
corredores contíguos, causando enorme tumulto, pedindo aos berros que o
professor “liberasse a loira” para eles, batendo nos vidros da sala, desferindo
murros e chutes na porta, em verdadeira cena de vandalismo: “os alunos
retornaram de forma assustadora, “um misto de brincadeira com agressividade”.
“Pareciam que estavam num campo de futebol”. Os alunos gritavam “libera a loira
professor”. Também havia muitas mulheres. Havia centenas de pessoas no local e
o depoente não conseguia ver os seguranças, não conseguia enxergar nada....O
depoente fechou a porta, mas alunos começaram a chutá-la” (depoimento do
Professor Rubens Fernando Romero Soares colhido pela autoridade policial e ratificado
em Juízo – fls.125, 556/558). O Professor Rubens postou-se na porta da sala
escorando-a na intenção de evitar uma invasão, terminando por levar um chute no
joelho. Um violento golpe desferido na porta arrancou a maçaneta, que atingiu o
corpo do professor: “Sim, eles chutaram, como eu relatei no depoimento, uma vez
na porta, tentei ir pra falar com eles, eles chutavam a porta, talvez para
tentar abri-la, na segunda vez acertou no meu joelho, eu entrei, encostei,
segurei a porta, fiquei assustado..........quando chutaram a porta e eu entrei,
alguém deve ter chutado a maçaneta pelo lado de fora, ela desprendeu, me
atingiu, e eu passei mal, tive vontade de vomitar, aí os alunos ficaram
assustados........A Talita estava muito emocionada, eu lembro de ver a Geisy
chorando também, isto é verdade” (Rubens Fernando Romero Soares - fls.557/558)
Tal cena, mais condizente com um conflito entre torcidas de futebol,
naturalmente, assustou todos os alunos (a grande maioria alunas) que se
encontravam acuados dentro da sala. É claro que a autora estava tão assustada
que começou a chorar e o Professor Rubens, devido ao ocorrido, ficou com a
saúde (sistema nervoso) fortemente abalada, sendo obrigado a submeter-se a
terapia medicamentosa: “...depois do depoimento, eu fiquei muito doente. Eu
consegui terminar o semestre, mas eu estou afastado, eu pedi uma licença, eu
não consegui. O depoimento me reavivou o que aconteceu no dia.....pelo fato de
ter feito com que eu lembrasse isto tudo piorou a minha saúde, que foi piorando
com o passar do tempo..“ (.....) ”...eu fiquei emocionalmente abalado, tive que
tomar durante um tempo, tomar remédio para dormir, cheguei a solicitar
antidepressivo e tomar também durante um tempo, aí começou a me fazer mal,
mudei a medicação e emagreci muito” (Rubens Fernando Romero Soares,
fls.562/563, 568/569). No calor de todo o cenário descrito, ficou claro que,
apesar de apelos insistentes não só do professor como de outros alunos, os
seguranças da ré não compareceram a tempo de evitar as agressões acima
descritas, o que obrigou uma colega da autora, de nome Talita, a chamar a
Polícia Militar, por meio de um celular:“começaram a chegar mais alunos e
naquele momento, eu não consegui enxergar os seguranças, por isto que eu peguei
meu celular e comecei a ligar para a sala da coordenação, para pedir que eles
subissem” (Rubens Fernando Romero Soares – fls.573); “...foi aí que o professor
pediu pra chamar os seguranças. Desceu cerca de três alunas, desceu umas três
vezes pra chamar os seguranças, mas eles não subiam e a situação estava ficando
insustentável, foi aí que uma aluna da sala, a Talita decidiu chamar a polícia
para tentar controlar os alunos, porque os seguranças não estavam dando conta,
até porque eram quatro seguranças para este monte de gente, já devia ter cerca
de setecentas pessoas lá” (Paola Cristina Fernandes – fls.509). Os seguranças
demoraram a aparecer e, quando chegaram na sala da autora, ao invés de acalmar
os ânimos, pioraram a situação. O Coordenador de segurança Airton de Campos (fls.586/606)
relatou que um dos seguranças mandou a aluna Talita, (que estava muito nervosa
com a situação) calar a boca, o que provocou a reação do irmão de Talita.
Airton impediu que o segurança e o irmão de Talita se agredissem no interior da
sala da autora (fls.591). Foi do Professor Rubens a iniciativa de acalmar a
aluna, ao invés de simplesmente mandar que ela “calasse a boca”:“...houve
alguma discussão, enfim, nesse meio tempo....quando me virei vi que Talita
estava chorando muito, discutindo com o segurança, o que eu fiz, eu voltei para
o centro da sala abracei a Talita e a conduzi para outra direção, fora do
segurança” (Rubens Fernando Romero Soares – fls.560). A prova testemunhal
evidenciou que a amiga da aluna foi obrigada a chamar a Polícia Militar em
razão da total ausência de seguranças no princípio do tumulto, inobstante a
orientação do coordenador Fábio Marcos Fonseca Boiani: “pedi para o segurança
ficar de olho” (fls.614). A quantidade de seguranças também era exígua. O
coordenador Airton de Campos (fls.586/606) confirmou o que a testemunha Eduardo
Giacon (fls.531/546) dissera: o coordenador impediu que todos os seguranças se
dirigissem ao local, tendo como justificativa a necessidade de vigilância da
catraca e outros postos, “não é qualquer coisa que a gente vai correndo
desguarnecer um posto” (fls.593/594, 600). O então segurança Eduardo Giacon,
atendendo o chamado de apoio do segurança Peres, pretendia se deslocar para a
sala de aula da autora, mas foi impedido: “recebemos um comunicado do coordenador
de segurança no dia, que não era para subir, aí então eu o interpelei junto à
catraca, porque não era para subir, ele falou: “Ela que arranjou, ela que se
dane” (fls.533). Seguindo a ordem dos acontecimentos, narram as testemunhas que
quando os policiais militares chegaram à porta da Universidade, em um primeiro
momento os seguranças dificultaram a entrada dos milicianos e não se prestaram
a levá-los ao local dos acontecimentos, o que foi feito por Paola e outras
alunas (fls.510/511). Chegando ao local os policiais militares entraram na sala
de aula e resolveram escoltar a autora para fora, protegendo-a da turba. Nesse
momento os alunos se enfureceram e passaram a gritar palavrões em coro “puta”,
“pistoleira”, obrigando os policiais a abrir caminho com “gás pimenta”, o que
causou maior furor entre os universitários, que passaram a dirigir impropérios
também contra os policiais (fls.511/512, 534, 574/575, 595, 639, 656). A
polícia conseguiu retirar Geisy da Universidade e levá-la para sua residência.
A explicação apresentada pelo coordenador de segurança na tentativa de
justificar o comportamento dos alunos é no mínimo curiosa: “Isto irritou os
alunos, o que fez com que eles se revoltassem, em virtude da Geizy mostrar uma
postura e depois se esconder atrás dos policiais, querendo ou não machucam os
alunos né” (fls.596). Ora, não se confunda ambiente liberal, com libertário.
Esclareceu, ainda, o coordenador de segurança da Uniban, que nenhum professor,
funcionário ou aluno da instituição de ensino, tinha reclamado do comportamento
da autora (fls.596/597). Do conjunto probatório existente nos autos exsurge,
claramente, que a autora certamente agiu de forma não recomendável, mas
compreensível, pois, tanto homens quanto mulheres estão sujeitos ao cometimento
do pecadilho da vaidade. A grande maioria dos seres humanos possui, por pouco
que seja, um laivo de vaidade, por seus dotes, sejam físicos, sejam
intelectuais. Por sua vez, a tese defendida pela ré, de que a autora agiu
premeditadamente, para tirar proveito, tornando-se celebridade, é desassistida
de um mínimo de razoabilidade. Somente um indivíduo que beire à insanidade
engendraria tal plano. Certamente não é o caso da autora. E isto pode-se
concluir do conteúdo dos depoimentos acima resumidos, pois, é inegável que a
requerente foi humilhada e ficou amedrontada pela reação inesperada, violenta e
descabida, de alunos universitários. Cabe, agora, indagar se a atitude, como já
se disse, não recomendável da autora, chega a configurar a excludente legal que
interrompe o nexo causal, qual seja, a culpa exclusiva da vítima (artigo 14,
§3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor). Inadmissível a reação dos
alunos, principalmente nos lamentáveis episódios da tentativa de invasão da
sala de aula, da agressão ao professor que, com sacrifício de sua integridade
física e emocional, conseguiu evitar que verdadeiros atos de barbárie se
aperfeiçoassem. Por outro lado, devido à omissão do insuficiente e despreparado
corpo de seguranças da ré, assim como de seus prepostos mais graduados, as
alunas, assustadas e temerosas, foram obrigadas, por meio de Talita, a acionar
a Polícia Militar. Aqui mais uma reação totalmente incompatível com um ambiente
universitário: o furor de que foi tomada a multidão de alunos, com a necessária
intervenção da Polícia Militar que, não teve alternativa, senão da utilização
de gás pimenta, para poder retirar a autora da sala e conduzi-la em segurança,
para fora das dependências da ré. Induvidosamente não se pode concluir pela
existência da culpa exclusiva da consumidora, a ponto de interromper o nexo de
causalidade e afastar a responsabilidade da instituição de ensino pela falha na
prestação do serviço. A própria Uniban entendeu que o comportamento da autora
não foi grave, porquanto revogou a expulsão da aluna (fls.71/72). Mesmo que se
admitisse que a autora agiu com parcela de culpa, entendimento que não é
adotado pelo Juízo, ainda assim “Só se admite como causa exonerativa da
responsabilidade, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não a culpa
concorrente......omissis......Assim, mesmo havendo culpa concorrente da vítima,
persiste a obrigação do fornecedor de indenizá-la por inteiro.” (CARLOS ROBERTO
GONÇALVES, Comentários ao Código Civil, Vol.II, 2.003, Saraiva, pg.227). Não
fosse a responsabilidade objetiva, ainda assim, a culpa da ré ficou comprovada
de forma indiscutível. Portanto, seja qual for o ângulo pelo qual se examine o
presente litígio, persiste a responsabilidade da requerida pelos fatos acima
narrados, como também pela ampla divulgação da expulsão da autora, fato este
que, por si só, já ensejaria reparação. A questão relativa à divulgação da
expulsão da autora, por meio de matéria paga (fls.71/72), não foi contestada
pela ré. A requerida deu publicidade às razões que levaram à expulsão da
requerente: “flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica
e à moralidade”. Não fossem as situações angustiantes e aflitivas enfrentadas
no interior da instituição de ensino, a requerida ainda qualificou a autora de
perturbadora da ética, dignidade e moralidade e, pior, divulgou os motivos da
expulsão em jornais de grande circulação. A “nota de expulsão” divulgada pela
Uniban após o evento ocorrido no campus ABC desqualificou a aluna, atribuindo
predicados que incidem na esfera de reprovação ético-social, fazendo aflorar o
dano moral indenizável. O pedido da requerente, no que tange ao montante da
indenização, é exagerado, uma vez que refoge dos princípios que devem nortear a
fixação das indenizações por dano moral, em que pese o respeitável entendimento
dos ilustres patronos. “Em lugar de dizer, como é comum, que o juiz impõe uma
punição, seria mais verdadeiro dizer que é incapaz de indenizar plenamente a
pessoa. Não pretendemos, aliás, que a indenização fundada na dor moral seja sem
limite. A reparação pecuniária será sempre, sem nenhuma dúvida, inferior ao
prejuízo experimentado, mas, de outra parte, quem atribuísse demasiada
importância a esta reparação de ordem inferior se mostraria mais preocupado com
a idéia do lucro do que mesmo com a injúria às suas afeições; pareceria
especular sobre sua dor e seria evidentemente chocante a condenação cuja cifra
favorecesse tal coisa” (JOSÉ DE AGUIAR DIAS transcrevendo doutrina de Lacoste
in Da Responsabilidade Civil, 10ª edição, Ed. Forense, 1997, pag.740, nota 63).
A aplicação irrestrita da “teoria do valor do desestímulo”, centrada na
intenção punitiva ao causador do dano, encontra óbice no ordenamento jurídico
pátrio, que antes do Código Civil de 2.002 tinha como princípio informador a
vedação do enriquecimento sem causa, agora prescrita textualmente no artigo 884
do Novo Código Civil. O critério que vem sendo utilizado pela jurisprudência na
fixação das indenizações por danos morais considera as condições pessoais e
econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e
razoabilidade, atento o julgador à realidade da vida e às peculiaridades de
cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, servindo
ao mesmo tempo para desestimular o ofensor a repetir o ilícito. Levando-se em
conta esses parâmetros, afigura-se razoável a importância de R$40.000,00
(quarenta mil reais), quantia suficiente para compensar a violação sofrida pela
autora, sem comprometer a saúde financeira da empresa ré. O valor da
indenização será corrigido a partir da data do arbitramento, em consonância com
o disposto na Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça: “A correção monetária
do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.
Finalmente, anote-se que a estimativa do valor do dano moral, na petição
inicial, não gera sucumbência recíproca, na hipótese de indenização em valor
inferior (“Tanto a 3ª Turma – RESP n.112.561 – quanto a 4ª Turma – RESP
n.113.398, RESP n.141.354 – têm entendido que, sendo estimativo o quantum
pedido a título de indenização, o deferimento de valor inferior não
caracterizaria a sucumbência recíproca” – AI n. 163.571-MG, Rel. Min. Eduardo
Ribeiro, DJU 35-E:71, de 23/02/99). Posto isto, julgo PROCEDENTE a presente
ação, e o faço para condenar a ACADEMIA PAULISTA ANCHIETA S/C LTDA a pagar a
GEISY VILA NOVA ARRUDA a importância de R$40.000,00 (quarenta mil reais),
incidentes correção monetária (Tabela TJSP) a partir da data do arbitramento e
juros de mora de 01% ao mês a partir da citação. Arcará a vencida com o
pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados
em 15% da condenação. P.R.I. São Bernardo do Campo, 29 de setembro de 2.010.
RODRIGO GORGA CAMPOS JUIZ DE DIREITO"