Planalto fez gestão para "poupar" Lulinha...
Texto guardado sob sigilo há sete anos revela como foi alterado o
relatório final da CPI que investigou o mensalão, em especial no que se refere
ao filho mais velho do ex-presidente Lula.
O documento, ao qual a Folha teve acesso, foi redigido pela equipe
do deputado ACM Neto (DEM-BA), sub-relator da CPI dos Correios para o tema
fundos de pensão. ACM Neto confirmou à Folha que se trata do texto original.
Do texto apresentado ao
relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), foram suprimidas as menções a
Fábio Luís, o Lulinha, e ao fato de a empresa investigada Gamecorp pertencer ao
filho do então presidente.
Serraglio tinha poderes para
alterar o texto do sub-relator. O que chama atenção é que só foram suprimidos
trechos que citavam Lulinha ou eram críticos a ele e a Lula. De resto, o texto
de ACM Neto foi mantido.
Fábio Luís foi investigado pelo
fato de a Telemar (atual Oi) ter investido R$ 5 milhões na Gamecorp. A empresa
foi criada por Lulinha em 2004, com capital de R$ 10 mil, e um ano depois
recebeu o aporte milionário da tele.
A CPI chegou ao caso porque
dois fundos de pensão investigados tinham participação na Telemar, que tinha
recebido aporte do BNDES.
Foram suprimidos trechos como
"por envolver, naturalmente, como beneficiário, o filho do presidente da
República". Ficou de fora um parágrafo inteiro que criticava o Ministério
da Fazenda e juntas comerciais de diversos Estados, que não responderam aos
pedidos da CPI por informações sobre a Gamecorp.
A Fazenda, segundo o texto de
ACM Neto, respondeu que repassar essas informações "poria em risco os
interesses legítimos da empresa".
O presidente da CPI, senador
Delcídio Amaral (PT-MS), disse à Folha que conversou com o então presidente
Lula diversas vezes e que houve pressão "de todos os lados", mas
silenciou sobre a origem da ordem para retirar o nome de Lulinha do texto
final.
Serraglio confirma as pressões
do Planalto. "Essas informações chegavam para gente, 'ou vocês retiram ou
nós vamos criar dificuldades para aprovar'", disse. "Tinham pessoas
mais próximas [do Planalto] que acompanhavam, o Carlos Abicalil (PT-MT), o
Jorge Bittar (PT-RJ), era a tropa da frente."
Num ponto, Delcídio e Serraglio
concordam: se o nome de Lulinha tivesse sido mantido, o relatório não teria
sido aprovado. A explicação dos dois: incluir o nome de Lulinha seria o mesmo
que incluir o do presidente.
A CPI, que apurou o caminho do
dinheiro do mensalão, não quebrou o sigilo da Gamecorp.
Segundo ACM Neto, na
segunda-feira anterior à votação do relatório final, foi avisado por Serraglio
de que era preciso retirar o nome de Lulinha. "Não sei de quem partiu a
ordem para tirar o nome do Lulinha, mas aceitei porque era o acordo ou
nada."
OUTRO LADO
A Folha não conseguiu localizar os deputados
citados por Serraglio, e a assessoria de Lula não quis comentar o caso. A assessoria de Lulinha também não
respondeu.
*
Veja como era e como ficou o
relatório final da CPI dos Correios no capítulo que se referiu ao filho do
presidente Lula. Ao todo 7 parágrafos e dois trechos foram suprimidos do
relatório final em comparação com o texto original:
RELATÓRIO ORIGINAL: Conforme amplamente divulgada pela
imprensa, a Telemar, empresa na qual a Petros possui participação, realizou
investimentos de R$ 5 milhões na GameCorp S/A, empresa produtora e provedora de
material de informática voltado para aparelhos celulares, de propriedade do sr
Fábio Luiz da Silva, um dos filhos do presidente Lula, e dos irmãos Kalil e
Fernando Bittar, filhos do ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar.
O QUE FOI SUPRIMIDO: de propriedade do sr Fábio Luiz da Silva,
um dos filhos do presidente Lula, e dos irmãos Kalil e Fernando Bittar, filhos
do ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar.
RELATÓRIO ORIGINAL: Por seu turno, o grupo Telemar, em cuja
constituição societária estão instituições de caráter público, como os fundos
de pensão e o BNDES, deveria, inclusive por questão ética, dar plena
publicidade aos fatos em tela, por envolver, naturalmente como beneficiário, o
filho do Presidente da República.
O QUE FOI SUPRIMIDO: por envolver, naturalmente como
beneficiário, o filho do Presidente da República.
RELATÓRIO ORIGINAL: O histórico da empresa Gamecorp S/A é,
certamente, de raro sucesso. Foi criado em novembro de 2004, com um capital de
R$ 10 mil. Em janeiro seguinte, o capital passou para R$ 5,2 milhões. Um dos
acionistas da Gamecorp é a empresa BR4, também pertencente ao Sr Fábio Luis
Lula da Silva. Esta empresa foi criada em outubro de 2004, com capital de R$
1.000,00 que, em dezembro, foi aumentado para R$ 2,7 milhões.
O QUE FOI SUPRIMIDO: Todo o parágrafo
RELATÓRIO ORIGINAL: O Ministério da Fazenda, bem como as juntas
comerciais de diversos Estados não deram satisfação às requisições de
informações feitas por parlamentares sobre esta matéria. Neste particular, e
não menos grave, a CVM defendeu que a informação poria em risco os interesses
legítimos da empresa.
O QUE FOI SUPRIMIDO: Todo o parágrafo.
RELATÓRIO ORIGINAL:...não
é aceitável, a luz da ética e da moral, que recursos públicos sejam empregados
sem a devida transparência, muito mais quando tal associação envolve pessoas
muito próximas à estrutura de poder, no caso o filho do Presidente da República.
O QUE FOI SUPRIMIDO: Todo o parágrafo.
RELATÓRIO ORIGINAL: Cabe ainda ressaltar que as justificativas
apresentadas, de certa forma opaca, para tais investimentos da Telemar carecem,
pelo bem do interesse público, de um aprofundamento nas qualidades e
propriedades técnicas da empresa adquirida, indiretamente pelos fundos de
pensão. Nesse sentido, quando se cria uma obrigação para com os recursos
públicos, não há cabimento na defesa do sigilo. A transparência é um bem
nacional e um direito à cidadania.
O QUE FOI SUPRIMIDO: Todo o parágrafo.
(fonte: FOLHA) - Foto: ACM Neto & Serraglio...)