Bom Texto para leitura. Retirado de um jornal local.....
"Há algum tempo atendi por seis meses um grupo de dez mulheres que se reuniam por uma questão específica:
a solidão.
As idades variavam de 35 a 55 anos.
Oito eram casadas, uma separada e uma viúva.
Apesar de expressarem o desejo de um companheiro estável, ficou evidente como as vidas das que viviam sozinhas eram mais interessantes e cheias de possibilidades em comparação às casadas.
Estas se mostravam desesperançadas, sentiam-se impotentes para tentar qualquer transformação que pudesse lhes proporcionar algum prazer no plano afetivo e sexual.
A monotonia do dia-a-dia, a falta de diálogo com o marido e a ausência de uma vida sexual satisfatória eram a tônica de suas queixas.
Relato aqui a história de uma delas por ser, nos aspectos principais, semelhante às outras.
Joyce estava casada há 27 anos.
Após o casamento das duas filhas, passou a morar sozinha com o marido.
Foi nessa época que um sentimento profundo de solidão se apoderou dela.
Gostava de sair, ir ao teatro, conhecer pessoas, mas seu marido recusava qualquer sugestão sua.
Não conversavam nunca.
Ele chegava cedo do trabalho e trancava-se no escritório. Dirigia-se a ela exclusivamente para saber se precisava de dinheiro para algum pagamento doméstico.
Faziam sexo mecânico muito raramente, sem nenhum carinho. Ele não a tratava mal nem bem.
Era indiferente.
Quando casou com ele, aos 18 anos, Joyce não imaginava que sua vida seria assim.
Sempre ouviu seus pais dizerem que se não se casasse teria uma vida de solidão.
Somente a partir da década de 1940 passamos a associar casamento a amor.
A entrada do amor romântico fez da instituição o meio para as pessoas realizarem suas necessidades afetivas, sendo a sociedade ocidental a única a assumir o risco de ver esse tipo de união ser estabelecido sobre o amor de um casal.
Imagina-se que assim se alcançará uma complementação total, que as duas pessoas se transformarão em uma só, que nada mais irá lhes faltar.
E, para isso, fica implícito que cada um espera ter todas as suas necessidades pessoais satisfeitas pelo outro. Em pouco tempo essas expectativas se mostram incompatíveis com a realidade, e as frustrações se acumulam.
Não podia ser de outra forma.
O amor é uma emoção e o casamento é um compromisso, uma instituição com leis, regras e normas.
Na busca de segurança afetiva, qualquer preço é pago para evitar tensões decorrentes de uma vida autônoma.
Por medo da solidão as pessoas suportam o insuportável para manter a estabilidade do vínculo, e não raro se tornam dois estranhos no mesmo espaço físico.
Como mecanismo de defesa, surge a tendência de não se pensar na própria vida....
Tenta-se acreditar que casamento é assim mesmo.
Aí é que reside o perigo.
Se a pessoa não tomar coragem e sair fora, vai viver exatamente o mesmo que um sapo desatento.
Uma fábula conta que se um sapo estiver em uma panela de água fria e a temperatura da água se elevar lenta e suavemente, ele nunca saltará.
Será cozido.
Mas, afinal, por que se teme tanto a solidão?
O historiador inglês Theodore Zeldin afirma que o medo da solidão assemelha-se a uma bola e uma corrente que, atados a um pé, restringem a ambição, são um obstáculo à vida plena, tal e qual a perseguição, a discriminação e a pobreza. Se a corrente não for quebrada, para muitos a liberdade continuará um pesadelo.
Segundo ele, a crença mais gasta, pronta para a lixeira, é que os casais não têm em quem confiar salvo neles próprios, o que é tão infundado quanto a idéia de que a sociedade condena os indivíduos à solidão.
Na realidade, existe tanta solidão entre os casados quanto entre os solteiros.
Não há dúvida de que o medo da solidão é responsável por muitas opções equivocadas de vida. Fazemos qualquer coisa para nos sentir aconchegados e protegidos por meio da relação com outra pessoa, tentando nos convencer de que assim não seremos mais sozinhos.
A idéia, tão valorizada e difundida pelo amor romântico, de que devemos buscar um parceiro que nos complete, só contribui para que não enxerguemos o óbvio: a solidão é uma das nossas características existenciais.
O terapeuta e escritor Roberto Freire não tem dúvida de que risco é sinônimo de liberdade e que o máximo de segurança é a escravidão.
Ele acredita que a saída é vivermos o presente por meio das coisas que nos dão prazer.
A questão, diz ele, é que temos medo, os riscos são grandes e nossa incompetência para a aventura nos paralisa.
Entre o risco no prazer e a certeza no sofrer, acabamos sendo socialmente empurrados para a última opção...".
Regina Navarro Lins - psicanalista e sexóloga; autora de "O Livro de Ouro do Sexo" (Ediouro).